segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ENTREVISTA - André Mehmari

Aliando Sentimento e Criatividade

por *Caio Garrido

André Mehmari, uma aula de improviso e intuição, é um músico que colhe sementes dos mais variados estilos musicais. Ele, nascido em Niterói, RJ, e com grande parte de sua vida musical desenvolvida e iniciada em Ribeirão Preto, SP, fundiu em sua carreira, com grande maestria, diga-se de passagem, vários ingredientes musicais, como o jazz, música brasileira e o erudito.

Compositor e excepcional arranjador, tem em seu piano e em sua técnica soberba, o tapete onde se apoia, mas é um pianista daqueles que tem algo mais a mostrar, que consegue expressar através de sua música um chamado mais profundo de alma e vigor musicais, que faz com que todos os seus ouvintes tornem-se imediatamente “letrados” em música, por sua capacidade de cumprir a tarefa difícil de tocar música complexa com excelente qualidade para proporcionar a qualquer ouvido treinado ou destreinado uma bela degustação.

Caio Garrido - Olá André, grande prazer poder dividir este espaço com você. Fale-me um pouco dos músicos e pianistas que são referência e te inspiram sempre...

André Mehmari - Pianistas: Egberto, Ernesto Nazareth, Luis Eça, Bill Evans, Keith Jarrett, Thelonious Monk, Herbie Hancock, Lyle Mays, Paul Bley, Bobo Stenson. Outros que não me recordo agora. Tenho vários pianistas "clássicos" que são referência de sonoridade e acabamento expressivo: Nelson Freire, Guiomar Novaes, Cziffra, Perahia, Rosalyn Tureck, Gould, Maria Tipo, Marta Argerich e tantos outros. Músicos são tantos. A grande escola da canção brasileira: Caymmi, Jobim, Chico, Milton, Guinga e muitos outros. E a grande tradição europeia, desde Palestrina até Ligeti. Sou muito eclético e escuto de tudo, desde que seja bom.

CG - O bom traquejo no piano depende mais da vontade, do dom,..., ou uma sensibilidade mais afinada com o ser interno?

AM - Depende de tudo isso que você falou, além de muito trabalho e perseverança. É preciso nutrir-se de experiências para poder transformar em música.

Foto: Maristela Martins

CG - Uma boa dose de esforço sempre é necessária para tocar e se apresentar... Com a necessária percepção, memória e complexidade exigida para se tocar uma música instrumental de alto nível, o esforço psíquico a se despender neste processo é algo natural para você?

AM - Acho que é sempre um desafio fazer música de alto nível. Mas nunca me senti exaurido ao final de um concerto, na verdade. Aliás, quando a música e o som são bons, tenho vontade de nunca parar e seguir tocando noite adentro!

CG - Nos momentos de gravação, o que você utiliza, ou ainda utiliza, em termos de instrumentos? Você se utiliza de outros tipos de piano, teclado, ou usa única e exclusivamente o piano de cauda?

AM - No recente álbum “De arvores e valsas”, usei uma infinidade de instrumentos além do piano como clarinete, flauta, viola, violino, bandolim, bateria, contrabaixo, percussão, rabecas, sanfona, piano rhodes, violão, cravo e voz. Uso sempre o piano de cauda, pois não atinjo os resultados com piano de armário, que é outro instrumento completamente diferente em termos mecânicos. Uso o cravo e o piano elétrico Rhodes, que trago comigo desde a adolescência.

CG - De maneira geral, qual é um critério utilizado por você e sua equipe para obter o resultado sonoro final de uma produção e gravação de um cd? No nicho instrumental, você observa muita diferença na produção e gravação dos CDs feitos no Brasil, em relação à qualidade existente no exterior?

                                               Foto: Dani Gurgel
AM - Não. Acho que o Brasil já chegou num patamar de qualidade para competir no mercado internacional, tanto pela qualidade artística (sempre teve), quanto técnica. Eu mesmo tenho sido o produtor e engenheiro de som de meus recentes projetos e tenho recebido elogios de gente entendida. Não posso deixar de dizer que há bem pouco tempo atrás tínhamos muito problema com a qualidade sonora de nossos CDs. Alguns discos chegam a dar tristeza, tamanha a discrepância entre música (boa) e som (terrível). Meu critério é sempre a busca da qualidade máxima e meus parceiros musicais geralmente compartilham deste perfeccionismo todo, o que é bom!

CG - No disco “Nonada” com o Quinteto, o que te inspirou em fazê-lo? Quais os próximos vôos a que você pretende alçar e lançar?

AM - Gosto muito deste álbum. Na verdade ele foi gravado no final de 2004 e só lançado recentemente. Todos participaram da escolha do repertório. Eu contribuí com algumas rearmonizações, mas todos os músicos tiveram papel ativo na composição dos arranjos. Temos pra 2010 planos de lançar um **novo álbum com o Hamilton de Holanda, já parcialmente gravado, totalmente dedicado à música de Hermeto e Egberto. Tenho ainda vontade de lançar um piano solo de improvisações, mas também muito da minha música de câmara que nunca foi gravada, como o Quinteto Angelus.

* Caio Garrido é baterista e amante da boa música. Colaborador da Revista Modern Drummer Brasil e do blog RIBEIRÃO PRETO MUSICAL. Também é idealizador do blog Música Contemporânea.



**Obs. Mehmari finalizou a gravação do novo CD com Hamilton de Holanda, Gismontipascoal (assista ao vídeo acima), dedicado à música de Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal. Este ano, o músico também lançou a edição europeia de Miramari (André Mehmari & Gabriele Mirabassi) e respectiva turnê, além de ter assinado contrato com o principal selo italiano comtemporâneo, EGEA, para o qual irá gravar cinco discos nos próximos anos.

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