domingo, 4 de julho de 2010

Simplesmente João Carlos Martins

Ale Carolo

Nas primeiras horas desta segunda-feira (5) assisti emocionado ao programa Roda Viva da TV Cultura. Alí estava, cercado por jornalistas e gente da área cultural, o maestro João Carlos Martins. Ele e um piano digital. Era a reprise do programa que foi ao ar, ao vivo, no dia 22 de fevereiro de 2010.


Antes de falar, para quem não assistiu, sobre o conteúdo da entrevista, antecipo a confissão de que tive vondade de mudar o status do meu perfil neste blog. Assim que o programa terminasse, ligaria o computador e apagaria a palavra "músico". Deixaria apenas "jornalista", como um alento e não que eu esteja convencido disso.

Mas a palavra "músico" continua no mesmo lugar. Vou tentar explicar o porquê. João Carlos Martins teve formação de pianista clássico, incentivado pelo pai. Ainda criança, já colecionava apresentações em auditórios. Tornou-se um dos principais intérpretes do compositor alemão Johann Sebastian Bach.

Ao piano, tocava 21 notas em apenas um segundo. Mas aos vinte e poucos anos passou a enfrentar os problemas que mais tarde comprometeriam sua carreira como pianista. Um acidente, num jogo de futebol, tirou os movimentos de sua mão direita. Tal dificuldade o afastou da música. Virou empresário de boxe. Não queria nem ver piano.

No entanto, tratamentos e cirurgias recuperaram parte dos movimentos da mão. João voltou a tocar, dando ênfase à mão esquerda. Obteve sucesso, com um estilo único de tocar obras clássicas pelo mundo. Mas outra fatalidade comprometeria mais uma vez os movimentos das mãos. Golpeado na cabeça durante um assalto, na Bulgária, as mãos de João sofreram o reflexo.

Novamente afastado da música profissional durante anos, João tornou-se um exemplo de superação ao voltar à carreira musical, em 2004, dessa vez como maestro, após estudar regência. Naquele ano, em Londres, regeu a English Chamber Orchestra, uma das maiores orquestras de câmara do mundo.


Atuamente, realiza um trabalho social maravilhoso. Leva música às entranhas da sociedade, onde é mais fácil chegar drogas e armas. Há mais de dois anos realiza um trabalho junto à Fundação Casa (antiga Febem). Uma carta escrita pelas crianças da Fundação, deixada na porta da casa de João, no Natal de 2009, sintetiza o significado deste trabalho: “A música venceu o crime, tio maestro”.

Este resumo talvez seja pouco para expressar o drama deste músico brasileiro. Na entrevista ele disse que Bach salvou sua vida. Alí no estúdio da Cultura, ao piano, rodeado por jornalistas, João - que se diz um "velho chorão" - exprimiu a essência da música usando o polegar e o indicador da mão direita e outros três dedos da esquerda. E disse: (...) "hoje, para mim, cada nota tem um valor".

Eu que havia decidido tirar a palavra "músico" do perfil do blog, voltei atrás. Sim, porque João está certo. Sentei ao piano e consegui sentir o valor de cada nota. Não toco 21 notas em um segundo. Não domino partitura. Tampouco me arriscaria a discorrer sobre alguma peça clássica. Quem sou eu, a não ser um mero tocador apaixonado por piano? No entanto, poucas e valorosas notas bastaram para me convecer de que a música está na minha alma.

Bach mudou a vida de João. E João replantou uma semente em minha vida.

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