domingo, 26 de setembro de 2010

ENTREVISTA - Verônica Ferriani

Além das palavras
Levando a música na pele

por *Caio Garrido

Que o mundo dá voltas, todo mundo sabe. Fisicamente e em acontecimentos, verdades, nuances, que mudam a cada instante. Ininterruptamente. E quando o mundo gira dentro da gente, é porque algo está mudando lá fora também. A música, exemplo raro de contato com a nossa pele, com o nosso tato. É a transmigração de algo impalpável pra dentro de nós.

Sinta o contato da música e da palpável entrevista com a cantora ribeirãopretana Verônica Ferriani, exemplo de caminho possível para a música que gira sem perder suas verdadeiras influências. No seu último álbum “Sobre Palavras”, ela destila uma singeleza de canções, parceria que desenvolveu com o compositor Chico Saraiva e com as palavras do disco assinadas pelo letrista Mauro Aguiar.

Foto: Alê Cabral

Caio Garrido - Compor melodias através de letras foi o principal mote do cd. Como você encarou o processo de interpretação das músicas? A partir de um ponto de vista subjetivo seu sobre as letras de Mauro, ou a partir de alguma pré-definição dele?

Verônica Ferriani - O fato de o CD se chamar "Sobre Palavras" realmente dá importância ainda maior as palavras, e uma grande responsabilidade para quem interpreta. Mas na verdade, o cuidado com o texto sempre foi uma intenção minha ao cantar. Acho que quando me escolheram, Chico Saraiva e Mauro Aguiar - que já me conheciam bem - , buscavam justamente alguém que tivesse uma preocupação e um ponto de vista próprio sobre as letras. Parti de algo subjetivo e fui achando minha maneira de ver e sentir aqueles temas. É instintivo.

CG - Como foi o processo de composição e de arranjo, tanto para os instrumentos como para sua voz?
Foto: Edu Marin
VF - Chico e Mauro já tinham composto algumas coisas juntos em trabalhos anteriores, mas no primeiro semestre de 2008 Mauro enviou ao Chico um calhamaço de letras, sobre os quais Chico começou a fazer músicas. Em setembro, num show em que cantei com Chico e Francis Hime, Chico me contou o que andava compondo e que gostaria de mostrá-las para quem sabe pensarmos num projeto juntos. Eu estava com meu primeiro disco solo pronto para ser lançado e poderia ser confuso naquele momento; mas quando ouvi, não resisti. Gravamos 3 músicas em novembro e enviamos para o Projeto Pixinguinha (Funarte - MinC). Para nossa alegria, fomos selecionados. A partir daí Chico compôs ainda outras músicas e juntos fomos fazendo um ou outro ajuste, em ensaios voz e violão, sempre debatendo com o Mauro. Das 18 ou 19 compostas, escolhemos 13. Nestes ensaios fomos pensando em pré-arranjos, quais músicos chamar e numa concepção do disco de forma que fosse nosso, não meu ou dele. Isso em janeiro e fevereiro de 2009. Em abril entramos em estúdio com os músicos e começamos a gravar. O disco saiu em setembro de 2009.

CG - O que mais te agrada no mundo da música e do samba particularmente? Um samba, uma música brasileira mais intimista como no álbum “Sobre Palavras”, ou a “criatura” sem freio do samba que se impõe na roda e no fervor do ritmo?

VF -Minha maior característica é não me ater a aspectos formais ou gêneros específicos. Gosto do lirismo e do suingue. Do íntimo, do sutil e da catarse. Do sofisticado e do popular. Não gosto de me prender. Gosto de dizer o que sinto que saberei dizer. E vou no que a música me propõe.

CG - Você toca algum instrumento? Compõe?

                                             Foto: Alê Cabral
VF - Toco um pouco de violão desde pequena e percussão desde que me apaixonei pelo samba. Composição é algo bem recente, mas está começando a acontecer, sim. Meu próximo disco solo deve ter algumas minhas.

CG - Você tem expectativas de flertar por outros estilos musicais? Quais serão seus próximos e imediatos projetos?

VF - Sou aberta ao que me comove e, nesse sentido, tudo pode acontecer. O que ando fazendo são os shows de meus discos: o CD solo, com o qual estou indo para Salvador e interior de SP em setembro, o Sobre Palavras e o disco que gravei com a Gafieira São Paulo em 2008, que está sendo lançado com uma temporada no Tom Jazz, em SP. Também tenho feito shows de projetos comemorativos do centenário de Adoniran Barbosa e Noel Rosa este ano, entre outras coisas. Para o futuro, começo a pensar num próximo disco solo, mas para ficar pronto somente no final de 2011.



CG - Se sua música tivesse um cheiro, qual você acha que seria? Você acredita na capacidade sinestésica da música?

VF - Acredito, claro. Música é subjetiva, é magia ampla. Talvez a minha teria um pouco o cheiro de mato do interior, ainda que não seja um som regional. Gosto de cantar olhando no olho e com sorriso no rosto (ou a expressão que for devida), de ser a mesma em cima do palco e na vida cotidiana. Uma coisa com a qual não me identifico com parte da nova geração é que não sou blasé. E creio que isso seja um traço que trago por ser uma garota do interior.

*Caio Garrido é baterista e amante da boa música. Colaborador da Revista Modern Drummer Brasil e do blog RIBEIRÃO PRETO MUSICAL. Também é idealizador do blog Música Contemporânea

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